domingo, 24 de maio de 2009

Pauperum spiriti est regnum coelorum




Os sinos tocam!
As badaladas, os trovões e a chuva, rasgam o entardecer.
A freira entra na igreja. Hábito molhado. Meio-riso baixo, abafado.
Ela senta no confessionário. O bispo irá ouvi-la, à antiga.
- O que houve minha filha?
A voz do prelado nunca lhe pareceu tão afeminada.
Numa tom de devoção afetada, ela diz satisfeita:
- Cometi pecados mundanos.
- Mas o pecado é humano, demasiadamente humano
- E agora, eu abomino profundamente a igreja.
- Minha filha, você é uma freira.
Ela continua:
- Dizem que somos o depósito de lixo da história e talvez seja mesmo verdade. Cometemos os mais terríveis e absurdos enganos.
- Não atentai contra a santa decência do clericalismo.
- Sempre demos as costas a ciência e ao que a filosofia ensina.
- Não insista minha menina!
- Sempre estivemos do lado mais conveniente e tapamos os ouvidos para os gritos dos inocentes.
- Os livros que tem lido estão lhe fazendo mal. Filha, o povo precisa dos nossos dogmas.
- As pessoas precisam permanecer dopadas? Limitadas aos cabrestos de concepções forjadas?
- Basta! Você está se perdendo em perigosas indagações.
Os trovões dançam assustadoramente nas nuvens, dando boas-vindas ao anoitecer. Ela chora e conclui a confissão:
- Quanto aos pecados mundanos: Eu tenho me encontrado com o padre recém ordenado... Decidimos abandonar a igreja para nos entregarmos ao amor.
O bispo estremece dentro do confessionário, levanta e grita com horror:
- HERESIA!
A ex-freira, também se ergue e diz triunfante:
- Não há abominação maior do que a pedofilia que você trancafia com suas vestes dentro da sacristia.
Então, ela arranca violentamente seu crucifixo do pescoço e joga-o aos pés do bispo. Rasga o hábito e saí correndo nua pelo corredor da igreja blasfemando entre risos.

Um comentário:

  1. Se amar é pecado, continuarei na busca deste. A cada dia de sol, de calor, em baixo de trovões que amedrotam só anunciando a chegada do melhor medo maior.

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