sábado, 28 de março de 2009

Mate-me, por favor


monólogo do último ato
(Aproxima-se do espelho. Acendem-se as luzes opacas)

Eu sou o seu lado negro
A transgressão
Sua ausência de medo
A obsessão e hipocrisia

Eu sou sua embriaguez
O impulso
Nublando sua lucidez
E sua submissão desmedida

Eu sou o ateu e demagogo
Sem compaixão
Sufocando o beato fervoroso
O terror das famílias

Eu sou sua maldição
A violência
O sangue em suas mãos
E o dedo frio no gatilho

Eu sou o seu desamor
A auto-sabotagem
O causador da dor
Atentando contra sua vida

Eu sou sua versão bestial
O vazio no seu coração
Seu vínculo ao mal
Mate-me, por favor.

(Disparo. Espelho quebrado. As luzes são apagadas)

Baixa o pano sobre o fim do último ato

segunda-feira, 23 de março de 2009

A Balada Dos Filhos Da Noite



Claro, 
os puros dormem 
em seus quartos doces 
e nas ruas perambulam 
os filhos da noite 
fazendo o que melhor sabem 
e podem fazer

A noite protege 
as suas enigmáticos crias 
que escancaram 
os portões da vida 
zombando audaciosamente 
das regras e sem medo 
de morrer 

Testemunharam as lágrimas 
sob a maquiagem dos palhaços
Escutaram blasfêmias 
das línguas beatas
E Conhecem bem 
o rumo para todas
as encruzilhada 

Ao menos sabem 
quem são 
enquanto os puros que dormem, não.

domingo, 22 de março de 2009

Um dia, sem querer



Um dia, sem querer
você lembrará de mim
quando sintonizar o rádio
e casualmente,
aquela música tocar

lembrará das suas chaves
mergulhando na minha direção
e dos passos apressados
ao teu abraço

lembrará do enorme prazer
de estarmos a sós
e nossos olhos pontilhando
incontáveis astros no espaço

Um dia, sem querer
você lembrará de mim
sendo o mel dos teus sonhos
e o fel da tua insônia
até depois daquela música acabar.

Guerra Civil




Cidadãos
em pânico

Cárcere residencial,
terror e paranóia

A violência voa
pelas ruas

Balas perdidas
se encontram
na areia movediça social

Guetos sujos de sangue
e lavados por lágrimas

Sirenes da podre polícia
pelo tráfico e corrupção
berram nas bocadas

Flagelo da guerra civil
não declarada.

sábado, 21 de março de 2009

Sete segundos




A maturidade
me faz amar Bob Dylan,
tanto quanto Patativa
e me atrasar
para o último trem,

diariamente

Assim como
sentir a necessidade
de aceitar
que tudo muda
a cada sete segundos,

inevitavelmente.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Invasão



Alguém

entrou no meu quarto,
caminhou pelos lados,
ligou o rádio
e lançou meus dados
de números virados

Em seguida,
entristeceu

Alguém

abriu o cadeado
do meu baú,
onde guardava
baralho cigano,
coisas que não precisava

e um mapa
para lugar nenhum

Alguém

vestiu minhas roupas,
calçou meus sapatos,
apagou a luz,
tateou o escuro,

deu de cara
no meu mundo,

chorou por meio segundo
e partiu.

domingo, 8 de março de 2009

O Trigésimo Salto




Encontro os doze cravos
guardados no fundo do alforje
e se cheguei até aqui inteiro
é porque tenho a louca sorte
dos filhos de dezembro
Meus verdes anos
entre a Rua Amazonas
e a Usina Santa Terezinha
demoraram pra amadurecer
Menino melancólico
no topo da árvore
abraçando cedo a solidão
Menino traquinas
derrubando borrachas
para ver as saias das meninas
Comportamentos antagônicos
como faces de uma moeda
Beijando sentimentos platônicos
Cresci na rota dos aventureiros
Engolindo os raios do sol
e correndo no escuro da noite
Deus me deu o misterioso dom
de beber veneno e cuspir água benta
Por isso olho sem nenhum medo
no fundo dos olhos do capeta,
cortejando o pecado e a inocência
Deslizo sob doses incandescentes
imaginando curvas nas nuvens
que desenho além do horizonte,
sem qualquer traço de prudência
Degolando a dureza da saudade
perto de mim e longe de tudo
Criando versos cínicos e absurdos
Abrigando sonhos dentro do peito
Para dar meu trigésimo salto
Acordado no mar do meu leito.

Corra Criança


Corra criança
por dentre a chuva
Não tema escorregar
no calçamento molhado
Pule (saltite pela lama)
e deixe o medo de lado
Grite sua infância
sem nenhum acanhamento
Passe as mãos nas árvores
e lamba os dedos
Não ligue pro uniforme escolar
engomado
Corra criança,
pois ser adulto
é muito chato
Chute a água suja
para molhar os sapatos
Você pode rir e ser o que quiser
como quiser
Até virar este mundo louco
de cabeça pra baixo
Corra criança e sonhe!
Só não fique aí parado.

Tarde fria de verão


Improvisava vaporoso frio junino
naquele verão cinza de janeiro,
em que o sol se evadia
por trás da visualidade nevoenta
Eu procurava atribuir imagens
naquelas espessuras de chuva
Enxergava figuras calmas, angelicais,
melancólicas... Multiformes
“Quantas vidas um homem pode ter numa única existência?”
Perguntava-me, tropeçando
em minúsculos grãos de areia
Aquela imagem ainda tatuada
nas minhas retinas dilatadas
aquela voz ainda tabelava
em todos os lados dos meus tímpanos
Caía a chuva esparsa que escorria
abundantemente em minha face
Já que não conseguia chorar,
as nuvens faziam isso por mim.

sábado, 7 de março de 2009

Novena



Bem longe,
muito longe


As beatas rezam
baixinho na novena

Muito longe,
bem longe

Orações encantadas
em seus rosários.

Solitaire




Só,
por tempo suficiente
para ouvir apenas
meus próprios passos
Pela casa, na rua,
entre uma multidão,
no meio da chuva...

Só,
por tempo suficiente
para sentir na alma
o forte frio do ártico
e me acostumar
a andar sem calor humano,
no meu rumo solitário.

Epifania



Deixo a luz lunar lamber meu rosto
e acendo a primeira das sete velas
antes de despertar mais uma vez

Estive no centro e pelas margens
perto, mas longe do seu alcance

Quis fazer certo o que é errado
agora quero não errar no certo

Tive um pesadelo onde sofria
e um sonho onde você sorria
Acredite, eu ainda não acordei

As lembranças são enganosas
mas não tenha receio de nada
O anjo do esquecimento virá

Acendo a última das sete velas
Deixo a luz lunar lamber meu rosto.

Olhos D'água

Eu vesti meu melhor sorriso e minhas luvas de estimação 
Para cumprimentar pessoas que para mim não significam nada 
Onde você estava, olhos d’água?
Gargarejei e me embriaguei e causei prejuízos à sua reputação
 Enquanto ouvi a marcha dos tolos e dancei de roupa encharcada
 O que você ouviu olhos d’água?
Arranquei todas as figuras suspensas do meu quadro de ilusão 
E estive a meia-dúzia de passos de ter a minha vida sepultada 
Por que não estava comigo, olhos d’água?
Existem quase sete bilhões de pessoas nesse velho mundo cão
 Que nunca vão ler nenhuma das minhas palavras dilaceradas 
Você leu alguma delas, olhos d’água?
Não percebe que apenas mendigo um pouco de atenção? Não, você nada vê, quando está com os olhos
cheios de lágrimas.

Indagações Siderais




Criança, dependurado nos galhos
na árvore em frente da minha casa
olhando a infinidade das estrelas
eu viajava na luz, em veloz imaginação:
De onde viemos e pra aonde vamos?
e se em algumas daquelas constelações
existissem inteligências mais evoluídas
que um dia,aqui, contribuíram à vida?
Minha mente navegava através do espaço
em longínquas e ingênuas indagações siderais.

Ouvindo os Reclames do Diabo no Velho Bar da Encruzilhada



Não era noite de verão, mas foi num sonho quente,
que conduzi cegos através de campos minados nas ruas,
até o bar da encruzilhada iluminada pela luz fria da lua,
onde encontrei e sentei com Lúcifer para tomarmos uma doses.
Inspirado, Ele tocou velhas canções endiabradas no seu violão,
acompanhado pelo coral dos homens sem visão e gentis.
Ouvi atentamente, cada frase compassada por solos manhosos.
Em pé na mesa, bati palmas, curtindo os baiões e os blues mefistólicos,
dançando ao lado, uma gata de córneas douradas, decotada...
Provocante e sexy, ela recitou versos perversos dedicados ao diabo.
Após sua apresentação Belzebu voltou à mesa parecendo preocupado.
Convidou a garota maliciosamente para ficar sentada ao nosso lado.
Eu, curioso, perguntei-lhe qual sua relação com tanto caos e destruição,
desigualdade, fome, miséria e todas as mazelas que nos assolam.
A resposta veio num reclame quase mudo, entre dentes crestados:
- Meu chapa, Eu estou cansado dessas coisas e quero aposentadoria.
O problema está no próprio homem e nas coisas que ele cria.
Não sou de todo culpado e nunca deixaram isso devidamente claro.
Calou por meio minuto, jogou para cima a fumaça do bazeado pra dizer:
- Garanto que boa parte do dolo é dessa dama sentada conosco,
Permita apresentá-la: Caro amigo, essa é a Intolerância de sobrenome
Ganância e que presta serviços usando o pseudônimo de Miss Vaidade.
Desde a aurora dos tempos somos casados e ela vem abusando da humanidade,
Manipulou a verdade, assim como também sabotou a religião com dogmas,
capitalizou a sorte nos pecados e fez dos cifrões o alimento da insanidade.
Estou te confessando isso e digo ainda que se não fosse a “Lei de Deus”,
juro a você que Eu já tinha me divorciado e encerrado esse compromisso.
Acordei meio tonto e muito suado, sei que deve ter sido por causa do uísque e do calor que esbaldavam voluptuosidade por todos os lados daquele lugar refinado.
A Igreja inventou o inferno, Dante pintou o cenário e quem crê nisso tudo é um otário.